PEC dos Militares e a Página em Branco da Nossa História, por Francisco Carlos Teixeira da Silva*, via Jeferson Miola,
Entendemos que o Governo Lula queira avançar em tópicos de interesse nacional, como o combate à fome ou ao Desemprego e a (Re)Industrialização do país. E assim, fugir da pecha de ser o Governo que sobreviveu ao golpe.
Por tal razão, evita-se o envolvimento nas apurações legítimas dos atos golpistas, antes e depois do 08/01/2023.
No entanto, quando o governo atua contra a oportunidade única de “reescrever” o “manual” das relações militares e política no Brasil, abolir a “Doutrina da Tutela ( as FFAAs como um “Poder Moderador” e a “missão” de combater o “Inimigo interno”), sinto que se perde o momento histórico.
A consolidação da Democracia no Brasil é uma pauta tão importante quanto a fome e o desemprego.
Sem Democracia a erradicação das posições de mando das elites antipovo será impossível e seremos sempre um país da fome cíclica e a República dos Privilégios.
Não lutar contra os golpistas em seus nichos é um baita desconhecimento da nossa História.
E, no limite, não fazer o enfrentamento didático das Direitas trabalha contra o fortalecimento da própria Democracia entre nós.
O núcleo político do governo, sua comunidade de Inteligência e seus órgãos, bem como o Ministério da Defesa, trabalham com um diagnóstico “equivocado” da natureza da atual crise brasileira, do momento nacional e da ascensão mundial da Extrema-Direita e dos Fascismos.
A Abin e o GSI mostraram-se incompetentes para construir um diagnóstico real das instituições brasileiras e do alcance do golpismo no interior do Estado.
Tal fragilidade transferiu para os acadêmicos e alguns jornalistas investigativos a faina de desvelar a ampla trama envolvendo políticos, magistrados e militares contra a República.
Vive-se ao “Deus dará” de confissões e delações, do trabalho incansável da PF, emergindo uma situação de “sustos” e alertas em busca de delações – o que não seria o fio condutor das investigações caso a Abin e o GSI cumprissem suas missões institucionais.
Bem ao contrário vemos que tais órgãos constituem-se em nichos privilegiados de golpistas, centro de construção de “narrativas” que buscam o apagamento do 8 de janeiro, seus antecedentes e consequências.
Ao contrário do núcleo político, palaciano, do governo, apenas o Ministério da Justiça, a Advogacia Geral da União, e o STF, avançam nas investigações.
O diagnóstico da crise institucional continua precário junto ao núcleo político, que insiste em que:
1. A eleição de Lula e a inegibilidade de Bolsonaro são evidências do fim da crise política e institucional;
2. Consideram o bolsonarismo, inclusive na Magistratura e nos quartéis, em refluxo confundindo personagem e as fontes profundas dos movimentos sociais das Direitas;
3. Nunca entenderam, por isso mesmo, o conceito de “Insurreição fascista”, como estabelecido com a “Marcha sobre Roma”, de 1922, e sua repetição midiática e reticular, em Kiev em 2014, em La Paz em 2019 ou no Capitólio em 2021;
4. Ao contrário de Lula da Silva, consideram o fascismo no Brasil como metáfora e hipérbole, mantendo-se na compreensão cinematográfica do fenômeno “fascismo histórico”, sem atentar para os movimentos mundiais de ascensão dos novos (neo)fascismo;
5. Acreditam que todo poder político se exerce no Congresso Nacional, desvalorizando a presença do povo nas praças, ruas, universidades e sindicatos como topoi de Resistência ;
6. Não entenderam o processo de unificação das Direitas brasileiras pela hegemonia fascista;
7. Consideram a oposição fascista com as mesmas lentes que enfrentaram antes a oposição do (quase)finado PSDB , não percebendo a “debacle” do Centro Histórico da política republicana;
8. Não consideram mobilizar, por não entender o caráter “de massas” do fascismo (amplas classes médias, funcionários civis e militares, as classes rentistas, o lumpenproletariat em busca de um líder substituto, mito e mistificação, da falsa concretização psicológica e histórica), os núcleos populares, trabalhadores, para se manifestarem nas ruas, praças, universidades e sindicatos contra o golpismo (sequer tivemos uma manifestação popular em condenação ao golpe);
9. A busca de base de apoio do governo leva a tratativas que poderiam ser melhor explicadas e balanceadas com a mobilização popular;
10. Estão “economizando” Lula , o único grande comunicador à Esquerda, nas suas relações com as bases trabalhadoras;
11. Não distinguem o bolsonarismo, uma forma de Neofascismo, do conservadorismo nato da sociedade brasileira , racista, misógina e patriarcal, combatendo só os personagens “Bolsonaro” e os chamados “patriotas”, que entalados em bandeiras depredaram as instituições da República, deixando de lado o núcleo duro do Bolsonarismo na política, magistratura, ministérios, inclusive o Ministério da Defesa, no afã de blindar militares golpistas;
12. Por fim, estão decididos a “deixar quieto” os núcleos radicais nas FFAAs , no intuito de “virar a página” da História. Assim perde-se a percepção da profundidade e enraizamento do golpismo nas instituições da República e na cultura política brasileira, suas raízes históricas, no escravismo e no patrimonialismo, seus métodos sempre violentos, buscando “virar a página” de uma História ainda não escrita.
*Francisco Carlos Teixeira é historiador e cientista político, professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Autor de livros sobre conflitos e mudanças sociais, entre eles “Atlântico, a história de um oceano” (com colaboração), Prêmio Jabuti de melhor livro do ano de 2014.
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